quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A Bateria Como Profissão




Grande artigo feito pelo Carlos Maggiolo. Se encontra no site batera.com.br.


Carlos Fernando Maggiolo



Vem batendo à minha porta, seja através de e-mail, seja através dos tópicos publicados no nosso Fórum de Discussões, uma série de questionamentos típicos daquela galera que pensa em abraçar a batera como profissão, mas que fica insegura diante da realidade brasileira – com medo de sucumbir frente às dificuldades da vida.


É uma galera jovem, como não poderia deixar de ser – apaixonada pela arte dos tambores. São pessoas com a sensibilidade à flor da pele – artistas natos, mas muito novos e traumatizados pela crise econômica que avassala as casas das famílias brasileiras.


Vamos amadurecendo e começam as cobranças naturais do cotidiano social – temos que decidir o que fazer da vida – que profissão abraçar???


Quando filho da classe menos favorecida, o medo é enorme, porque vê um pai e uma mãe se matando de trabalhar e já vivendo na maior miséria – ser músico é mais arriscado ainda e pode jogar água abaixo o sonho de sair da miséria. Quando filho da classe média ou alta a insegurança é gritante, porque muitas vezes há pressão familiar cobrando um diploma digno da “altura da família”. Os pais “investem” na educação dos seus filhos para que sejam “médicos, engenheiros ou advogados” (como bem disse Robertinho Silva) e ficam com medo do filho se aventurar na carreira artística – ainda mais bateria – um instrumento sem grande expressão no cenário musical.


Esse é o medo que atormenta o artista de espírito, que gostaria de dedicar a sua vida à arte de batucar.


Enfim, como venho deparando muito com essas questões resolvi escrever este pseudo artigo, que ora submeto à apreciação daqueles que mais precisam de respostas – o jovem baterista.


Sinto-me autorizado a discorrer sobre o assunto. Estou completando quatro décadas de existência bem vividas. Já vivi tudo isso. Sou um amante da bateria e abracei outra profissão onde venci na vida e hoje divido o meu tempo entre a profissão, a família e o amor aos tambores.


Pois bem – existe um outro destinatário deste texto – tão jovem quanto, mas que embarcou na onda da batera por outros mares e que pode naufragar sem a devida orientação. Estou falando daquele “carinha” que toca batera sem compromisso, pra curtir um “estilo free” de ser – e que pensa em embarcar nessa proposta pensando que a vida vai passar como uma onda no mar – doce engano.


A regra não é só para candidatos a baterista – é para qualquer profissão: para vencer na vida dependemos de muito esforço – e ainda existe a possibilidade de nos esforçarmos e não sermos devidamente recompensados. Se não plantarmos com muito suor e dedicação, aí não colhemos nada mesmo. O mar não está para peixe.


Àquele que pensa em fazer grande sucesso com uma banda tocando o rock do surfe, sem ter que se dedicar nos estudos - aliás, ao contrário, fazendo da renúncia ao sacrifício uma forma de exploração da imagem do sucesso, saiba que pode até dar certo – acontece com uma meia dúzia. Contudo, para cada meia dúzia que deu certo existem centenas de milhares que não deram em nada, porque é uma proposta meio kamikaze, você renuncia aos estudos e a uma vida regrada primordial ao baterista para mergulhar numa onda sem volta. Quando a onda passa já é tarde – você passou do time.


A vida do baterista é muito mais do que isso. O seu mercado de trabalho é bem variado. São inúmeras as áreas de atuação de um batera e existem muitas opções para se faturar o “leite das crianças” em todas as etapas da nossa vida – é só saber administrar e planejar. Aquela proposta do rock do surfe é uma – mas existem milhões de outras propostas – exatamente as que os jovens não conhecem. Médicos e advogados precisam estudar a vida inteira e encaramos isso com naturalidade, quase que como uma conclusão lógica. Baterista também precisa estudar a vida inteira, mas uma parcela significativa de discípulos da arte apresenta certa dificuldade de conceber isso e essas presas fáceis da preguiça acabam caindo na vala comum. O pior é que culpam o mercado de trabalho, a economia e o desemprego como causas do insucesso profissional. Jamais reconhecem que é falta de aptidão técnica ou qualquer deficiência de natureza acadêmica. Muitos assumem a preguiça, a falta de estímulo e paciência, sem, contudo, reconhecerem as conseqüências práticas. Voltando ao exemplo daquele que abraça a carreira do pop-star da batera – do rock do surfe – esse cara vai pra crista da onda e passa de dois a cinco anos por lá. Se não tiver personalidade musical, a onda passa – das duas uma: o cidadão fez um pé-de-meia e parte para outra quando a onda passar ou então compra novos métodos e tira a poeira da bateria de estudos – começa do zero. Ele não tem outra opção, porque a profissão de baterista exige como pré-requisito que se tenha o domínio da técnica – qualquer que seja a sua área de atuação. Seja bem vindo à vida profissional de um baterista.


Se você ainda não começou a estudar – comece. Conheça a teoria musical. Saiba ler. Domine a partitura e procure desbravar o mundo encantado da harmonia. Vão exigir isso de você no mercado de trabalho.


Isso de que não se ganha bem com bateria é mentira. Existe mercado – só que é competitivo em qualquer frente de trabalho e é muito sacrificante. Por outro lado, existem diversas propostas de vida e você, se for empenhado, encontra aquela que melhor se adapta a sua forma de viver. É claro que o baterista renuncia muito o convívio familiar, mas se souber administrar o tempo, dá pra recompensar tudo isso em pequenos momentos.


O baterista trabalha à noite e nos fins de semana – exatamente quando a família tradicional está mais reunida.


Fiquei quinze anos fora do circuito. Quando eu parei de tocar não existiam bons cursos de batera. No Rio era a Pró-Arte e nada mais. Tínhamos bons professores particulares, isso sim. Naquela época se justificava o batera estudar no exterior - hoje não - temos excelentes cursos, métodos e uma “flora” de ritmos muito diversificada, própria da nossa raiz – o Brasil. Estamos com uma boa estrutura acadêmica e o panorama é outro – não só podemos como devemos estudar no Brasil. Então, galera, ninguém precisa ficar inseguro porque não foi estudar em Boston. Lá você pode conhecer uma dinâmica profissional bem diferente – com um parque de casas noturnas bem grande e com alto giro de propostas de trabalho. Vão te dar a pauta das músicas e você vai ter que sair levando. Você vai conhecer um mundo de gente, vai aprender a ter disciplina e tudo mais. Claro que é válido, mas não é porque não foi que está fadado ao insucesso. Ao contrário, se souber canalizar vai aproveitar mais a raiz e não falta onde desenvolver a vida acadêmica. Quanto às casas noturnas, não esquenta – não temos tantas, mas temos outras frentes de trabalho – é outra realidade.


Amor – muito amor aos tambores. Se não for assim não vence – procure outra profissão. Então, não minta pra você mesmo. Veja se essa paixão não é fogo de palha. Veja se isso vai te realizar para o resto da sua vida. Pense consigo mesmo se isso lhe bastará – lhe realizará. Muitas vezes o espírito amadurece e exigimos de nós um domínio maior sobre a ciência das letras ou dos números embora a atividade intelectual na carreira musical seja intensa. É por isso, por tudo isso, que o amor ao nosso rústico instrumento se revela como outro pré-requisito para a vida de um baterista.


Muito bem. Se você está disposto a estudar duas horas por dia, mesmo no auge do sucesso ou no meio da sua jornada profissional, com trinta anos de profissão (e para tanto você deve ser paciente e insistente), obviamente você é um apaixonado pelo instrumento que elegeu. Apresentando esses dois pré-requisitos, você pode mergulhar no mundo encantado da bateria – vai ter trabalho digno e honesto para você - sempre.


Sua apresentação pessoal é importante – é sua imagem. São essas pequenas particularidades de cada um que começam a fazer a diferença – como a simpatia e a responsabilidade. O meio é político? É – não se iludam – o ser humano é político, mas aquele que não é político encontra seu lugar ao sol – se impõe pelo talento.


O baterista toca na noite, toca com a sua banda, acompanha cantores, participa de gravações, de workshops, leciona, enfim, tem muito trabalho – e trabalho chama trabalho.


Dá para viver com dignidade sim. Como em qualquer profissão, sempre vão existir aqueles bem-sucedidos e aqueles apoucados – sempre vamos ver uns realizados e outros menos. Agora, estamos no Brasil – na terra do ritmo – o brasileiro tem o ritmo na veia – a competição é nivelada por cima – temos que ser dedicados e comprometidos com a perfeição – esse é o segredo do sucesso e da realização profissional do baterista.


Esse é o alô que eu queria dar pra você que está pensando em se profissionalizar. Pode perder o medo – tem trabalho sim, mas pense bem para não se arrepender no meio do caminho.


Fonte: http://www.batera.com.br/artigos/batera_como_profissao.aspx